Olimpíada: qual a real demonstração de superação da Paralimpíada?
Em nossa série especial sobre os Jogos Olímpicos, vimos aqui a relação da Educação com as Olimpíadas e também sobre seus princípios de igualdade e respeito. Nestas últimas semanas, o mundo também acompanhou a realização da Paralimpíada do Rio de Janeiro, que está próxima de ser concluída, no dia 18 de setembro.
E o que há nas *Paralimpíadas? Elas servem como motivação de superação dos atletas? Talvez muita gente tenha uma visão distorcida, encarando estes Jogos como um evento social, uma ação unicamente inclusiva. Bem, vamos entender melhor tudo isto, resgatando a própria história dos Jogos Paralímpicos.
Jogos Silenciosos
Ao contrário do que muitos podem imaginar, os Jogos Paralímpicos não são novidade e começaram há bastante tempo. A projeção midiática é que se tornou maior agora, com os avanços tecnológicos e comunicacionais e com os debates inclusivos mais em pauta. Na verdade, atletas com deficiência participam de disputas esportivas desde 1888, ano que, em Berlim, Alemanha, surgiram os primeiros clubes esportivos para pessoas surdas, iniciativa que ganhou notoriedade ao longo do tempo.
Em 1922, foi fundada a Organização Mundial de Esportes para Surdos. Os clubes organizaram suas próprias competições internacionais, que ficaram conhecidas como os “Jogos Silenciosos”. Atualmente, os atletas surdos costumam praticar esportes junto às pessoas sem deficiência e não possuem modalidades no programa paraolímpico.
O começo
As Paralimpíadas, como conhecemos hoje, tiveram origem em um contexto inesperado. Assim como as Olimpíadas dos tempos modernos foram resgatadas por um pedagogo e historiador, o barão de Coubertin, e não por um esportista, também outro profissional deu início ao movimento paraolímpico. O médico alemão Ludwig Guttmann foi o responsável pelos Jogos Paralímpicos, em razão do trabalho que realizava no tratamento dos soldados que foram combatentes na Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945).
Guttmann era um neurocirurgião e, de família de origem judia, precisou deixar a Alemanha nazista em 1939 e se estabeleceu com sua família na Inglaterra. Em 1943, o governo britânico o colocou para chefiar o Centro Nacional de Traumatismos, em Stoke Mandeville, que mais tarde tornou-se o Centro Nacional de Lesões Medulares, devido ao alto índice de soldados que serviram na Grande Guerra e outras pessoas com lesões na coluna vertebral. O objetivo era trabalhar a reabilitação física, emocional e social dos pacientes.
Naquele período, as pessoas com deficiência eram vistas como “vidas de curta duração” e de “má qualidade”. O doutor Guttmann observou que grande parte dos pacientes que tratava faleciam, em média, um ano após sofrerem as lesões e, assim, ele passou a adotar outras estratégias, além dos tratamentos médicos. O neurocirurgião começou a utilizar a prática de esportes com os pacientes, como basquetebol, tiro com arco, dardos e bilhar. Por causa dos exercícios, os pacientes, além de trabalharem os movimentos, começaram a ganhar ânimo e motivação pessoal e, como consequência, também passaram a viver por muito mais tempo.
Com o tempo, o método de Guttmann obteve sucesso e isso o motivou a promover, em 28 de julho de 1948, o primeiro evento esportivo exclusivo para pessoas com deficiência, com a participação de arqueiros paraplégicos e um jogo de basquete em cadeira de rodas. O curioso é que naquele mesmo dia começava a Olimpíada de Londres daquele ano, a apenas 56 km de Stoke Mandeville. O evento do médico alemão tornou-se anual e, em 1952, aconteceu a primeira edição internacional, com a recepção de atletas holandeses. Assim, o evento passou a ser conhecido como Jogos Internacionais de Stoke Mandeville. Era só o começo das Paralimpíadas.
A evolução das Paralimpíadas – do nome oficial à organização
Foi em 1960 que aconteceu a primeira edição oficial das Paralimpíadas, em amplitude mundial. Naquele ano, a cidade italiana de Roma sediou os Jogos Olímpicos e também os Jogos Internacionais de Stoke Mandeville, que mesmo trocando de país-sede, manteve oficialmente este nome. Em razão dos esforços e mediação do doutor Guttmann, os dois eventos foram reunidos e, então, 400 atletas de 23 países competiram em provas exclusivas para usuários de cadeira de rodas nas modalidades Tênis de Mesa, Tiro com Arco, Basquete, Natação, Esgrima e Atletismo.
Em 1964, os Jogos de Stoke Mandeville voltaram a acontecer paralelamente aos Jogos Olímpicos e na mesma sede. Dessa vez foi em Tóquio, Japão. Naquele período, já era comum para as pessoas e, principalmente, para a imprensa internacional o uso do nome Paralimpíadas, para fazer referência ao evento criado pelo médico alemão. Não foram necessárias muitas ações burocráticas para se tornar o nome oficial.
Daí em diante, as Paralimpíadas passaram por diversas situações e modificações, desde cidades que acabaram não podendo sediar os Jogos por problemas de acessibilidade, como a Cidade do México, em 1968, e Munique (Alemanha), em 1972, a outras mudanças significativas.
Depois da oficialização dos Jogos Paralímpicos, a realização da Olimpíada e da Paralimpíada eram sempre no mesmo país, mas em cidades diferentes. Na edição do Canadá, em 1976, Toronto recebeu a competição paralímpica e Montreal, a olímpica. Foi nessa edição, em Toronto, que aconteceu uma das mais importantes ampliações do evento. Além de atletas com lesões medulares, as competições foram expandidas para deficientes visuais e amputados, entre outros. Foram 1.600 atletas de 40 países.
Os Jogos Paralímpicos tomaram o formato como vemos hoje a partir de 1988, em Seul, Coreia do Sul, quando a organização passou a ser feita em conjunto com o Comitê Olímpico Internacional (COI), que organiza os Jogos Olímpicos. Desde a edição de Seul, que os dois eventos passaram a ser sediados permanentemente na mesma cidade; e também foi quando aconteceu uma nova expansão, com o número de modalidades paralímpicas aumentando para dezessete e estas passaram a ter um sistema de classificação por tipo e grau de deficiência.
Em 1989, o Comitê Paralímpico Internacional (IPC) foi fundado, reunindo 167 países membros. Em 2000, o IPC e o COI assinaram um acordo de cooperação, que determina que as cidades-sedes eleitas para os Jogos Olímpicos devem incorporar exigências relativas aos Jogos Paralímpicos.
Qual a diferença da Olimpíada e da Paralimpíada?
Adaptação. Esta é a palavra que dá razão à Paralimpíada, a capacidade de adaptar as modalidades esportivas olímpicas para serem praticadas com cadeira de rodas, por pessoas que foram submetidas à amputação, com paralisia cerebral, com dificuldades de mobilidade e deficientes visuais. A Olimpíada e a Paralimpíada não possuem diferenças em suas essências.
Como podemos perceber, a própria história das Paralimpíadas mostra que o evento não é uma “chance” para que estas pessoas disputem as competições. Estes Jogos são fruto de uma causa, que começou sem pretensão de se tornar um evento olímpico. Esta transformação veio em razão da evolução dos atletas paraolímpicos, cada vez mais engajados em seus trabalhos.
Estes atletas não fazem uma simples demonstração de superação, mas uma demonstração de preparação, dedicação e foco. Você já viu, por exemplo, uma partida de basquete em cadeira de rodas? Os jogadores disputam a partida com a regra comum do basquete, sendo que precisam colocar as cadeiras em movimento, bater a bola, frear, fazê-la virar, ao mesmo tempo que precisam olhar e ver onde estão os companheiros de equipe, fazer os passes certos e arremessos, além de seguir as estratégias treinadas. Isto não é apenas superação, isto é preparo mesmo. Duvido que você faça isso sem treino e preparo. A superação talvez esteja em obter conquistas sem apoio, patrocínio e investimentos, como acontece com grande parte de todo tipo de atleta.
A delegação do Brasil na Paralimpíada do Rio de Janeiro é uma das provas de toda esta preparação. Independentemente dos investimentos e nível de competitividade diferentes entre os países, não dá para deixar de notar a larga diferença no quadro de medalhas brasileiro. Na Olimpíada, foram sete medalhas de ouro, seis de prata e seis de bronze, totalizando 19 medalhas. Na Paralimpíada, até o dia 16 de setembro, as conquistas somam 10 medalhas de ouro, 25 de prata e 18 de bronze, totalizando 53 medalhas.
O brasileiro Daniel Dias, da Natação, atleta com má formação congênita dos membros superiores e da perna direita, tornou-se o quarto maior medalhista paraolímpico do mundo nesta edição. Também é válido lembrar que o atleta argelino Abdellatif Baka venceu a prova dos 1.500 metros do Atletismo na classe T3 (para atletas com baixa visão) com o tempo de 3m48s29, marca que lhe daria a medalha de ouro também na Olimpíada. O africano estabeleceu o novo recorde paraolímpico e ainda baixou em quase dois segundos a marca do campeão olímpico, o norte-americano Matthew Centrowitz, que fez a prova em 3m50s.
Fatos como estes demonstram o quanto a Paralimpíada é uma competição de alto rendimento e não uma simples ação social. O evento e os atletas devem sim, receber o apoio, atenção e o mesmo fervor da torcida, bem como, mais investimentos e menos preconceito. Estes fatos também mostram que os Jogos Paralímpicos são uma das mais fortes representações do espírito olímpico, de paz, harmonia, integração e dos princípios de igualdade e respeito. Por este motivo, esta matéria tem o título iniciado com o termo “Olimpíada”, pelos dois eventos terem o mesmo “espírito”, os mesmos princípios e por serem, de fato, um só.
*De olho na gramática: Paraolimpíada ou Paralimpíada? Há um tempo que existe um debate sobre a forma correta de escrever e se referir ao nome deste evento. Na verdade, não é bem uma questão de certo ou errado, mas uma questão de uso convencional e em relação à Língua Portuguesa.
O termo “paralimpíada” vem do inglês "paralympic", originado a partir da união dos vocábulos "paraplegic" e "olympic", já que, em sua primeira edição, o evento era dirigido exclusivamente para quem sofria algum tipo de paralisia. O termo “Paraolimpíada” era comumente utilizado, principalmente no Brasil, mas em 2011, o Comitê Paralímpico Internacional solicitou aos comitês nacionais a padronização oficial da palavra “Paralimpíada” para se referir ao evento.
Na ortografia da Língua Portuguesa, em casos de junção de palavras é incomum a retirada da primeira letra do segundo termo. No caso de “paraplégico” com “olímpico”, a nossa regra mantém a letra “o”, “paraolímpico”. Assim, nos diálogos dos brasileiros, os interlocutores definem como pronunciar a palavra. Até mesmo a mídia brasileira está dividida, com algumas utilizando o termo “paraolimpíada” e outras “paralimpíada”. Em nossa matéria, utilizamos o termo “paralimpíada” todas as vezes que fizemos referência ao evento, aos Jogos, já que esta é a denominação oficial. Todas as vezes que fizemos referência às modalidades esportivas, ao movimento e aos atletas, utilizamos o termo “paraolímpico”, conforme a regra ortográfica da Língua Portuguesa.
Referências
TUBINO, Manoel José Gomes. As dimensões sociais do esporte. SP, editora Cortez, 1992.
Comitê Paralímpico Internacional: www.paralympic.org
Comitê Paralímpico Brasileiro: www.cpb.org.br
Diogo Arrais – professor de Língua Portuguesa e autor gramatical pela editora Saraiva.
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